Olhares em números

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Comentário Crítico: Espetáculo "Sina", encenada pelo grupo Experimentalis


Uma questão de Expressão, não de Conteúdo...
Crítica ao espetáculo “Sina”, do Grupo Experimentalis, apresentado em 12/07/2009


Com o espetáculo “Sina”, o Grupo Experimentalis se propõe a narrar a estória de um homem, já adulto e aparentemente bem sucedido em seu meio social, que ao encontrar seu pai no leito de morte, tem a possibilidade de rever seus sentimentos e convicções acerca da identidade paterna (o pai era um palhaço de “um circo sem futuro”), e a partir de novas sensações e incertezas, também repensar sua própria identidade e suas verdades.
Este breve prólogo, que se insere como mote para o espetáculo “Sina”, é parte do espetáculo/show do grupo musical nordestino “Cordel do Fogo Encantado”, e aponta em sua breve narrativa, a potencialidade metafórica da figura do palhaço, principalmente quando inserida no contexto sócio-cultural contemporâneo. Questões sobre o futuro da Arte, presente de forma metonímica na palavra “circo”; sobre a figura do artista/poeta, renegado por uma sociedade mesquinha e automatizada; e até mesmo sobre sentimentos de culpa e medo que cada indivíduo carrega dentro de si, emergem sobre a maquiagem/máscara sorridente de um palhaço sem alegria.
Buscando inconscientemente um modo/motivo para ser palhaço, lição uma vez negada pelo pai, é do fluxo de consciência do protagonista que surgem os personagens lúdicos que vão auxiliá-lo em sua trajetória, em sua “sina” particular.
A poesia coloca-se como objeto mediador para o encontro do homem consigo mesmo, a palavra declamada é instrumento de um ato de desvestir o homem de suas tecidos sociais, justos e de cor sempre igual, para revesti-lo com panos multicoloridos e plurívocos, despertando nele sua habilidade inata de colorir as faces humanas com os sentimentos dispersos na paleta do processo artístico.
Enfim, elucubrações a parte, de forma breve, apresentamos até aqui alguns aspectos do conteúdo inerente à peça “Sina”. No entanto, cabe afinal, uma leitura detalhada dos aspectos técnicos e composicionais do espetáculo, uma vez que o enunciado/conteúdo (no caso de “Sina”, fundamentalmente a Poesia), só chega ao espectador por meio do ato enunciativo (enunciação). E é neste ponto, essencial em qualquer expressão artística, que o Grupo Experimentalis mostrou-se imaturo e equivocado.
Os integrantes do grupo apropriam-se de elementos cênicos, circenses, e da dança, para compor a montagem de um espetáculo pautado fundamentalmente na encenação. Esta é sua proposta de enunciação, que, no entanto, é negligenciada pelo grupo. A poesia dramatizada é conteúdo a ser passado para a platéia, não veículo de expressão cênica. Pantomima, mise-en-scène, coreografias são esses os veículos expressivos propostos pelo grupo para a concepção do espetáculo, que, contudo, não funcionam no espaço cênico, evidenciando um despreparo dos atores, que se mostraram incapazes de transmitir a mensagem poética.
A construção das personagens mostra-se débil. Somos apresentados a personagens-tipo que muitas vezes espelham uma total ausência de trabalho técnico de ator para sua concepção. Claramente se baseando nas personagens criadas pelo grupo paulista “O Teatra Mágico”, os atores do Experimentalis constroem figuras dramáticas mal delimitadas, um esboço parcial de uma persona que não se mantém ao longo das cenas. Vemos atores sem energia dramática; sem impostação de voz; sem um trabalho básico de articulação e dicção (tornando ininteligíveis alguns trechos de fala, a exemplo o protagonista homem/palhaço); sem qualquer pesquisa de expressão corporal que determinado personagem possa exigir (a exemplo a boneca de pano), ou mesmo sem dar atenção ao acabamento dos gestos das personagens (percebemos claramente a incompletude dos gestos cênicos que fragilizam a interpretação da expressão corporal da personagem); e principalmente, sem buscar estudos mais aprofundados sobre o principal elemento fundador do substrato dramático do espetáculo: o palhaço.
O espetáculo não diverte, não nos faz rir por um simples motivo: os atores não se divertem, não se fazem rir. O palhaço no teatro pode ter inúmeras facetas (o Clown, o Bufão, o Arlequim da Commedia del l’art, entre outros). Quando pesquisado e, principalmente, incorporado pelo ator, por meio de muita habilidade, o riso se faz fácil tanto para o ator quanto para o espectador.
Partindo de marcações cênicas frágeis, muitas vezes até ausentes, os atores mostram-se perdidos no palco, suas ações cênicas são descontínuas, as personagens não estão presentes no palco o tempo todo, perdem-se na falta de expressividade dos atores. As falas vêem antes do gesto (falha primária para qualquer encenador).
Com recursos visuais interessantes e uma trilha pontualmente bem aplicada, com destaque para as canções originadas do próprio espaço cênico, cantadas pela figura da narradora/cantadora de estórias (talvez única personagem realmente construída e totalmente presente nas cenas, quando cantadora apenas), o espetáculo “Sina” resume-se em uma tentativa de expressar um conteúdo poético já atestado por seu valor artístico (uma vez que o grupo apropria-se, em sua dramaturgia, de textos literários canônicos ou não, entre outras canções e versos), mas que, infelizmente, tropeça sobre si mesmo, ignorando que para todo conteúdo exprimível a um veículo de expressão que deve ser escolhido e aceito, não negligenciado como fez o grupo Experimentalis.

Giuliarde de Abreu, 13 de julho de 2009.