Olhares em números

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"Sleeping Beauty" estreia no Festival de Cannes

Visitantes do blog, muito obrigado por este certo olhar. Neste post, inauguro uma nova coluna, intitulada "ressonâncias", que se prestará à publicação de alguns comentários e críticas da imprensa francesa sobre certos filmes que ainda não estrearam em circuito nacional. O intuito dessa coluna é, ao mesmo tempo, compartilhar algumas notícias sobre filmes interessantes que possam vir a estrear nas salas de cinema do Brasil, e os quais aguardamos ansiosamente, e, também, (este lado é mais pessoal) estimular meus estudos de francês, ainda em nível intermediário. 
Neste primeiro post, transcrevo uma humilde tradução de um artigo publicado no site www.rfi.fr, sobre o filme "Sleeping Beauty", da diretora estreante Julia Legth, exibido no segundo dia da 64ª edição do Festival de Cannes, que acontece de 11 a 22 de maio.
O Festival de Cannes é um dos maiores e mais conceituados festivais de cinema do mundo. Durante os dias de festival, importantes nomes do cinema mundial transitam entre as salas de exibições e as sessões de entrevistas e conferências. O que de melhor se produz no cinema atual passa pela cidade de Cannes, sendo algumas dessas produções, avaliadas por um Júri (les Jurys) de críticos, produtores, atores e diretores consagrados, premiadas com as Palmas de ouro (les Palmarès d'or).


Abaixo segue a tradução do artigo francês:

“Sleeping Beauty”, de Julia Leigh abre cruelmente a competição no Festival de Cannes

Perturbador. Não há almas sensíveis. “Sleeping Beauty” não tem nada de conto de fadas. Em seu primeiro longa-metragem, a diretora australiana Julia Leigh nos tortura pela beleza com que apresenta a perfeição violada de Lucy, interpretada pela espantosa Emily Browning. Um filme que abre em altíssimo nível a mostra competitiva do 64ª Festival de Cannes, e aumenta a exigência para os próximos 19 filmes que concorrerão à Palma de Ouro.
Lucy é uma jovem estudante, tão bela quanto se possa acreditar. Deixando transparecer uma inocência desconcertante, ela nos mergulha, em sua primeira cena, em uma aflição que nos tirará o ar até o fim da projeção.
O filme começa em um laboratório, cuja atmosfera clínica é intensificada pela luzes brancas que pontuam o cenário. Neste lugar, Lucy se presta a experimentos médicos, um tubo é colocado em sua boca, lançando ar para dentro de seu peito. Um longo plano-sequência. Depois, um outro lugar. E então, a observamos limpar as mesas de um pequeno restaurante onde trabalha. Seu patrão se oferece para acompanhá-la até sua casa em seu carro. Ela rejeita a oferta: “Não, eu vou namorar”.

Adormecimento e lembrança

A diretora Julia Leigh nos faz, rapidamente, compreender o que a menina queria dizer: no banheiro de um bar, Lucy cheira cocaína e oferece, em seguida, seu corpo aos clientes. Uma humilhação a qual se submete com certa desenvoltura. Durante o dia, ela seleciona fotografias e leva bronca de seu chefe. Ao voltar a sua “casa”, logo se faz lembrar do dever, limpar as juntas negras entre os azulejos da sala de banho. Sua única referência é seu amigo Birdman, drogado e arruinado. Sua mãe, alcoólatra e violenta. Longe de seu apartamento, Lucy oferece seu corpo por 250 dólares a hora, na casa de uma cafetina, a homens velhos e ricos. Há uma condição especial: Lucy deve primeiro cair em um sono profundo, embalada totalmente em lembranças. Ela não reconhece nenhum de seus “clientes” que tem como única restrição: não penetrá-la. Uma espiral infernal se inicia.

Com longos travellings e uma encenação terrível, Julia Leigh nos faz penetrar no universo de Lucy e nos conduz nesta história tão estranha de uma bela adormecida que é na verdade uma menina abandonada. O plano fixo mostra a cama, o lugar do crime final, que se encontra no meio da tela. No centro da cama encontra-se a bela Lucy adormecida. Juntamente com os dois enormes abajures, a cama forma uma cruz. Um caminho de crucificação onde a fortaleza do corpo não é tão transparente. No entanto, o ser humano é mais que a consciência em vigília. O corpo tem sua própria memória e a alma não esquece jamais. A bela adormecida desperta a crueldade dos outros.

Julia Leigh, um primeiro filme para uma romancista consagrada

Até aqui, somente a diretora neozelandesa Jane Campion tivera a sorte de ganhar o principal prêmio do Festival de Cannes. Fora em 1993, por O Piano. Hoje, é uma de suas protegidas que aspira à Palma de Ouro. A australiana Julia Leigh, nascida em 1970, assina seu primeiro longa-metragem com Sleeping Beauty. Seus projetos como diretora são uma continuação lógica de seu trabalho como escritora. Com seus romances The Hunter e Disquiet, ela figurava na lista dos 21 autores mais proeminentes para o século XXI do London Observer. Em Sleeping Beauty, que provocou uma aclamação polêmica na Austrália, Leigh coloca enfim seu talento literário na tela. 


confiram o texto original: http://www.rfi.fr/france/20110506-sleeping-beauty