Olhares em números

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Comentário Crítico: "100 escovadas antes de domir"


A escolha de uma adaptação verossímil à concepção de mundo de uma adolescente de 16 anos infere aos argumentos do texto um tratamento ingênuo e imaturo, levando o espectador, à primeira vista, perceber no filme traços marcantes de um melodrama televisivo barato. No entanto, não se trata de um simples filme sobre adolescentes para adolescentes. 100 Escovadas Antes de Dormir é um filme adolescente, para adultos, proibido para adolescentes. Dirigido por Luca Guadagnino,o filme conta a história de Melissa (Maria Valverde), uma adolescente siciliana de 16 anos que, na evolução latente de sua sexualidade, se encontra distante de seu pai e aquém de qualquer vínculo sincero com sua mãe, somente encontrando conforto na avó, que ao longo da projeção, demonstra evidências de um desequilíbrio emocional motivado por lembranças da juventude. Com sua única amiga, Manoela, compartilha suas incertezas e desejos. No entanto, é apenas em seu diário que confessa segredos mais íntimos. Humilhada por um rapaz mais velho, por quem sentia uma paixão ainda crescente, Melissa tem suas ilusões sobre o amor completamente destruídas (a cena de sua “primeira vez” representa muito bem, com uma fotografia avermelhada em plano escuro, a perda de toda sua inocência infantil sobre o amor). A partir deste momento, Melissa entrega-se a inúmeros rapazes de seu colégio, e, sem ter idéia das situações brutais de abuso sexual as quais se sujeita, pretende provar aos homens que já é uma mulher e que sabe os truques do sexo. Sem qualquer estrutura familiar, Melissa não recebe conforto materno para aliviar suas angústias e não sente confiança suficiente para iniciar um diálogo aberto com a mãe. Tem na avó um exemplo desiludido de solução para seus problemas (as já tituladas 100 escovadas no cabelo). Melissa busca nos jogos sexuais um caminho para a expurgação de suas dores sentimentais, mas não percebe que se precipita num imenso abismo de depravação e remorso, e, inconscientemente, afasta toda manifestação de amizade e carinho que pessoas boas podem lhe oferecer ao passarem ao seu lado. Como já mencionei ao iniciar este texto, as opções do diretor seguem o caráter auto-diegético do roteiro (personagem é o narrador da estória). O filme é uma adaptação do livro Melissa P. da autora Melissa Paranello (que criticou duramente o roteiro do longa), e parte de uma metalinguagem com o processo de escrita de um diário para contar a estória da personagem central. Trabalhando muito bem a atmosfera sensual das aventuras de Melissa (os planos concebidos pelo diretor revelam uma preocupação necessária: mostrar as expressões e reações das personagens secundárias em ações em que o olhar vulnerável da protagonista não as evidencia), Guadagnino causa um desconforto ao espectador que entende a gravidade das situações as quais a adolescente se entrega. Com uma fotografia sensível e perspicaz, as cenas recebem um peso dramático preciso. Percebemos nos tons secos e nas cores frias o quanto são vazias e insípidas as aventuras sexuais de Melissa, demonstrando que o prazer nem sempre funciona como analgésico para as feridas do amor. No entanto, são em momentos de afeto e aconchego, em que cores quentes de verão simulam uma atmosfera aprazível, que Melissa encontra-se acolhida, e pode assim, libertar-se de seus sentimentos ruins. A direção de arte tem seu mérito tanto ao denunciar visualmente ambientes sórdidos e sensualmente intencionados, criando recursos para uma leitura visual do quanto Melissa aprofunda-se naquele universo pernicioso (ao descer íngremes escadas em direção aos cenários de depravação ou fechar-se num mundo de sexo, obcecada frente ao monitor de seu computador), como quando nos proporciona ricas metáforas para os momentos de forte dramaticidade (o quarto da avó no momento da discussão de Melissa e sua Mãe, no último ato do filme, fotografado de maneira esplendida, leva para cada enquadramento diversos significados e alusões). A libertação figurada de Melissa, que, na encosta, lança-se ao mar, e nada em direção à superfície, completa um motivo contundente do enredo: era necessário para Melissa aprender a nadar. Fechando meus aspectos gerais sobre o filme (mas deixando muita coisa de lado sem comentar, pois, além de fechar uma conclusão, algo que não quero fazer, deixaria o texto muito longo) quero dizer que o filme pode até parecer ingênuo para alguns, ao tratar, sob uma ótica adolescente, questões tão sérias como a relação de pais e filhos, a descoberta da sexualidade e até a falta de carinho e afeto. Mas, como disse no início, 100 Escovadas Antes de Dormir possui um conteúdo implícito pertinente que justifica a escolha do diretor pela abordagem aparentemente imatura, porém quando feita uma leitura de forma lúcida e crítica, revela uma denúncia nítida e necessária para qualquer discussão acerca das influências do chamado “mundo lá fora” na vida de um adolescente em plena descoberta, e no relacionamento desses com seus pais. Sobre a proibição do filme a adolescentes, acredito que este é um filme que se não tratado com maturidade e sensibilidade, pode influenciar uma postura conformista de pais e principalmente de adolescentes, já inseridos no contexto mostrado na trama.

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