Olhares em números

domingo, 9 de agosto de 2009

Comentário Crítico: "Operação Valkyria"


“Esta história se baseia em fatos reais”, indica o letreiro, que abre o filme Operação Valkyria, estrelado pelo ator americano Tom Cruise. Com boa qualidade técnica e sem grandes tropeços dramáticos, Operação Valkyria mostra-se eficiente como mais um bom exemplar de gênero hollywoodiano, mas que, no entanto, não se sustenta facilmente como representação contundente de uma tragédia histórica.

O filme narra a formação e o destino de um dos principais levantes contra o governo nazista, organizado em plena Segunda Guerra Mundial. Num contexto de crescente sufocamento da resistência alemã por parte das tropas aliadas, oficiais de alta patente do exército alemão organizam e executam uma complexa operação para matar Adolf Hitler e assumir o poder do Estado militar alemão, prometendo cessar os confrontos armados e promover um acordo de paz com os países inimigos, evitando assim que mais alemães morram nos campos de batalha.
A atmosfera de conspiração e a dissimulada relação que se mantém entre os oficiais do III Reich levaram o diretor Bryan Singer (X-Men e Os Suspeitos) a lançar mão de eficientes planos-detalhes ao longo da projeção, sempre direcionando o olhar do espectador para peças-chave na montagem da conspiração, como uma caixa de bebidas, um documento importante, um telefone, uma vitrola, uma maleta e até mesmo um olho de vidro, que aparecem em vários planos fechados. Com um figurino bem cuidado e detalhista, oferecendo-se aos atores como excelente aparato para a composição das personagens, e com cenários/locações que privilegiaram a ambientação realista da trama, além de criarem espaços intimidativos, como os quartéis de comando, com seus inúmeros corredores, salas e portas que se assemelham a arriscados labirintos, Operação Valkyria apresenta primor técnico em boas tomadas internas e externas, com destaque para a cena na qual um oficial nada sobre uma enorme suástica, e a brilhante cena em que encontramos o coronel Stauffenberg sob as edificações de uma igreja alemã em ruínas, evidenciando a fé do povo e do próprio Stauffenberg posta em ruínas pela opressão da guerra. No entanto, mesmo com uma direção de arte competente, a fotografia não foge ao convencional do gênero, mantendo os tons opacos e a pouca luminosidade sempre presente em filmes que retratam este período. Destaque, porém, para a interessante edição de som, principalmente quando temos o barulho ensurdecedor das máquinas de escrever simulando o som de disparo de inúmeras metralhadoras, muito bem aplicada na transição de uma das seqüências do filme, e que funciona como um motivo de presságio para o que ocorrerá aos conspiradores: a execução frente a um pelotão.
Operação Valkyria é um filme claramente pautado na ação e na movimentação das personagens, cujas seqüências dramáticas aparecem pontuadas por inúmeras frases de efeito e discursos inflamados, comprometendo assim, a manutenção de diálogos sólidos e ricos de conteúdo, que poderiam apontar para os traços de personalidade e de ideologia de cada personagem, aprofundando a análise de seus comportamentos ao longo da trama, como verificamos nos excelentes “A Lista de Schindler” e “A Queda – as últimas horas de Hitler”.
Tendo em vista principalmente este último filme citado, “A Queda!”, cabe constatar que, para um filme pautado na ação das personagens e nas relações dramáticas que se mantém entre si, inexiste a preocupação com o desenvolvimento das nuanças de comportamento e moralidade latentes em cada personagem histórico retratado na trama. Tom Cruise, como Coronel Claus von Stauffenberg, veste uma personagem pouco explorada emocionalmente (mesmo nos momentos românticos e paternos), contribuindo apenas com sua semelhança física e sua interpretação incisiva e obstinada. A personagem de Adolf Hitler, interpretada por David Bamber não convence, tornando-se mero coadjuvante, sem força dramática, ficando anos-luz de distância da brilhante interpretação do execrável Führer de Bruno Ganz, em “A Queda!”. Seguem os outros atores/personagens do círculo de oficiais, que em cena não desenvolvem características biográficas singulares das personalidades reais retratadas ali. Têm-se um quadro de personagens unilaterais, algumas martirizadas (como o mocinho do bem que morre) e muitas outras saídas do gênero de espionagem política: o obstinado comandante, o idealista fiel, o delator dissimulado, o comparsa disfarçado, entre outros, revelando, juntamente com o fraco roteiro (de Christopher McQuarrie e Nathan Alexander), um dos pontos comprometedores para uma leitura política e histórica relevante do período retratado na película.
Apresentando durante os 110 minutos de projeção uma maior preocupação com os elementos técnicos que iriam contribuir para o retrato realista dos espaços e do contorno dos personagens abarcados pelo roteiro, Bryan Singer mostrou-se pouco experiente na condução de dramas históricos, não desenvolvendo as complexas personalidades dos envolvidos na fatídica operação, figuras reais e empenhadas numa causa nobre, que se colocou, porém, comprometedora e mortal.
Deixando de lado uma abordagem próxima do documental, em que prevalece a análise realista dos fatos e personalidades históricas, Operação Valkyria prioriza a manipulação das seqüências motivacionais do roteiro, construindo a atmosfera conspiratória e emergencial do filme a partir de tomadas curtas e planos detalhes, valorizados e bem aplicados, principalmente nos 30 minutos finais da projeção (quando acontecem as ações das quais realmente desconhecemos o desfecho), e que ditam uma dinamicidade quase inquietante à caótica tentativa de tomada do poder central em Berlim pelos oficiais revoltosos, após a morte “antecipada” do Führer.

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