Olhares em números

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Comentário Crítico: "O Labirinto do Fauno"


Dias atrás assisti ao Labirinto do Fauno novamente, um dos três melhores filmes que vi em 2007 (os outros dois foram Filhos da Esperança e Pequena Miss Sunshine). Uma oportunidade ímpar para revisitar o universo maravilhoso e atemorizante concebido pelo diretor Guilhermo del Toro (HellBoy e Espinha do Diabo). Ter uma criança como personagem condutor da narrativa quase sempre é uma dádiva. Sua fragilidade e inocência, aliadas ao seu espírito determinado e esperto, despertam no espectador uma identificação instantânea. No entanto, nem sempre este mundo lúdico da infância é respeitado pelos diretores e autores adultos, como vemos no fraco Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-roupa. Em O Labirinto do Fauno, nos surpreendemos com o contrário. É no contexto cruel e vil do mundo dos humanos, cujo realismo sempre sufoca e apavora, que a fantasia vê-se, necessariamente (justificarei o motivo no próximo post), contaminada pela dor, sofrimento e morte. O filme se passa em 1944, período de ditadura do General Francisco Franco, e narra a trajetória trágica da menina Ofélia (Ivana Baquero, comovente por seu perfeito peso dramático e lúdico), que chega a um moinho, incrustado na mata fechada, com sua mãe (Ariadna Gil), cuja fragilidade causada pela gravidez reflete na incapacidade de entender os sentimentos fugazes da filha, . Neste lugar, rebeldes são perseguidos por homens do exército franquista, liderados pelo capitão Vidal (excelente trabalho dramático de Sergi López). Após ser recebida friamente pelo capitão, Ofélia encontra um labirinto abandonado e, como Alice na toca do coelho, adentra seu próprio universo de fantasia. Ao deparar-se com o Fauno (Doug Jones), divindade mítica da natureza, a menina recebe a notícia de que não pertence ao mundo dos humanos, visto que é uma princesa fugitiva, e deve voltar o mais cedo possível para seu palácio, que lhe é de direito. Mas para isso, recebe três tarefas, em cujos cumprimentos estará a comprovação de que ainda não se tornara humana (possível alusão à idéia de corrupção, vilania, egoísmo e malícia do homem ou do adulto). O roteiro trata do desenvolvimento de tramas paralelas em dois contextos diferentes. Além de acompanharmos as aventuras de Ofélia em seu mundo fantástico, também somos cúmplices da luta dos rebeldes pela liberdade. Vemos o destino de Mercedes (Maribel Verdú, em uma interpretação delicada, segura e poderosa), de Pedro (Roger Casamajor) e do doutor (Alex Ângulo) cruzarem-se ao longo da projeção, até o ato final, em que os guerrilheiros rebelados reagem contra os militares franquistas. Com uma fotografia fascinante, aliada a uma direção de arte igualmente brilhante (impossível não reverenciar a criação quase toda artesanal de cenários como o centro do labirinto, a sala de jantar do Homem-Pálido ou o aposento industrial e frio do capitão Vidal) o diretor consegue produzir a atmosfera perfeita para a ambientação da narrativa. Ofélia vê-se em um lugar triste, seco e hostil, como algumas pessoas com quem tem que conviver. Contudo, desde o início, demonstra ter uma capacidade inocente de perceber a sua volta os indícios de uma natureza oprimida e consumida pelos vilipêndios do homem e seu egocentrismo. O diálogo entre o a natureza sombria do totalitarismo, concentrada na figura imponente do capitão Vidal, e da própria natureza física, presente na impressionante cenografia, confere às ações das personagens um altíssimo grau de dramaticidade e transfere ao texto um denso conteúdo simbólico (de cujas possíveis leituras falarei de algumas no próximo post). Admirável é a sensibilidade de Del Toro quando, mesmo permeando os sonhos de Ofélia com cenas de mutilações e sofrimento (as fadinhas no episódio do homem-pálido traduzem muito bem isso), medo e morte (desde o ambiente úmido e repugnante da árvore seca à iminência da morte depois de desobedecer as ordens do Fauno), mostra-se capaz de justificar-se coerentemente, apresentando o equivalente real para cada atrocidade fantástica, e (o que é mais louvável) jamais deixando que a menina deixe sua condição infantil a fim de adquirir responsabilidades adultas. Chegamos ao fim do filme e constatamos a natureza real da grande metáfora do conto de fadas ao qual acabamos de assistir: o quanto é pernicioso o mundo dos homens para uma criança, que após abandonar o útero materno, encontra-se fadada ao desalento, sofrimento e dor da existência. A busca pura e sincera pelos indícios de beleza e vida no mundo é um eco no labirinto imaginário da infância, que nós, homens-pálidos de inocência não sabemos mais onde encontrar.

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