Olhares em números

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Comentário Crítico: "Eu sou a lenda"


Ao sair da sessão de Eu Sou a Lenda, confesso que fiquei dividido ao pensar no que o filme significou para mim, e como classificá-lo. Mesmo possuindo alguns problemas referentes à verossimilhança do roteiro (o que é comum ao gênero), ainda sim é uma ótima produção, visto que, apresentando-nos uma trama simples e linear, cumpre seu papel fundamental de desenvolvê-la sempre inserindo competentes composições metafóricas para possíveis leituras de significados éticos, morais e afetivos. O filme é mais uma adaptação do livro homônimo de Richard Matheson, publicado em 1954. Will Smith é Robert Neville, cientista militar e, aparentemente, único sobrevivente de uma pandemia viral que dizimou a população humana, tornando-a seres noturnos, caçadores vorazes de carne. Inexplicavelmente, Neville é imune ao vírus, e a partir desta constatação, passa a formular, com compostos do seu sangue, testes em animais contaminados, a fim de encontrar um antídoto capaz de reverter a ação da substância, criada pelo próprio homem como alternativa para a cura do câncer. Com sua única companheira, uma cachorra chamada Samantha (Sam), sobrevive na cidade de Nova Iorque (ponto zero do contágio), devastada e inóspita, agora habitada por animais selvagens e seres contaminados. Passa o dia caçando, treinando, estudando o vírus e, no momento do sol a pino, espera, no cais, por sobreviventes que possam ter ouvido sua mensagem de rádio, ofertando abrigo e esperança. À noite, tranca-se em sua casa, esperando que os seres noturnos não o encontre. O filme parte de um enredo já conhecido no gênero terror: Um vírus, criado pelo ser humano, fruto de sua ambição e egoísmo, contamina outros humanos, tornando-os seres antropófagos. Cabe aos sobreviventes da contaminação achar uma cura para o mal, enquanto tentam sobreviver em meio ao ambiente hostil que se instaura. Estas produções, além de funcionarem como manifesto político, social e ambiental, assumem um caráter apocalíptico, em que o ser humano, corrompido pelo vício, busca a redenção. Este é um dos pontos que mais prezo no filme de Francis Lawrence (Constantine). Com uma direção de arte peculiar, somos inseridos em um contexto paradoxal, em que a evolução científica leva a regressão social, obrigando o homem, solitário e vulnerável, a desenvolver um apurado instinto de sobrevivência, e criar inúmeras formas de persuadir sua mente, a fim de não enlouquecer com a solidão (fato brilhantemente representado na cena em que Robert, enlouquecido, atira em um manequim. Até onde vai o limite da sanidade quando o homem se vê só?). Will Smith assume com mérito este peso dramático. Sua carga emocional comove quando o testemunhamos despedir-se de sua família, interagindo com manequins em lojas, e na forte cena que mostra sua dor ao segurar sua cachorra que acabara de ser contaminada. Após arremessar-se contra a noite, num gesto inconsciente de dor e ódio, e ser encurralado pelos infectados, Robert é salvo por dois sobreviventes, que o levam de volta para casa, e lhe oferecem conforto. Entram na narrativa as personagens de Alice Braga, Ana, e do garoto Charlie Than, Ethan. A brasileira Alice Braga, como ocorre com outros atores do nosso cinema, não tem muito tempo e respaldo no roteiro para mostrar seu talento, mesmo assim, mantêm-se firme, com uma personagem forte, e decidida, mesmo sendo plana. Caberá a ela levar o antídoto que salvará toda a humanidade, este é, infelizmente, o único motivo que a insere na trama. Eu Sou a Lenda também tropeça no excesso de manipulação das situações de tensão entre a personagem e os seres da noite (O roteiro deve ser verossímil com o que propõe). Trabalhando com seres infectados concebidos por animação gráfica, o diretor rompe com a ameaça psicológica causada no espectador ao ver seres humanos reais contaminados (atores maquiados), além de inserir o protagonista em situações impossíveis de sobrevivência (a cena em que Neville está entre as ferragens de um carro e é salvo por Ana – como ela conseguiu sobreviver aos monstros?), e que culminarão nas cenas mais dramáticas do longa, tornando-as, mesmo que ótimas em sua concepção, sucessoras de motivos inconcebíveis. Mesmo falhando ao inserir sem justificativas um líder entre os infectados, e não observando motivações inconsistentes para algumas cenas de ação, como na qual presenciamos Robert preso em uma armadilha, inexplicavelmente inserida na cena, o filme trabalha muito bem as situações dramáticas que estabelecem os principais conflitos vividos pela personagem de Will Smith. Sem dúvida nenhuma, o título do filme justifica o peso de uma interpretação segura, corajosa e brilhante de Will Smith, que como Tom Hanks em Náufrago, prova ser capaz de conduzir sozinho toda trama. Esqueçamos os seres da noite, em Eu Sou a Lenda, presenciamos a tragédia de um homem que, para levar a luz a toda escuridão do mundo, foi capaz de sacrificar a própria vida. (este será o tema do meu próximo post: uma leitura possível do filme intitulada O cenário apocalíptico em Eu Sou a Lenda).

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