Olhares em números

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Relembrando Bobby Fischer, "Lances Inocentes"


Alguns dias atrás, relembrando a morte de Bobby Fischer, campeão mundial de xadrez em 1972, e considerado um menino prodígio, assisti a Lances Inocentes novamente. E me comovi... novamente. O filme não é só uma homenagem a este campeão mundial e ídolo de gerações de enxadristas, mas uma emocionante narrativa da busca de uma criança pela saída mais justa e sincera. A partir de flashes das principais partidas e entrevistas de Fischer, conhecemos o universo de um garoto que, também apaixonado pelo jogo, passa por inúmeros desafios, não só no tabuleiro, mas com o choque entre suas regras, de vitória ou derrota, e a perda de sua inocência e senso de justiça. O filme conta a história de Josh Wetzkin, um menino de sete anos, que, ao aprender a jogar xadrez, provavelmente apenas assistindo a partidas entre moradores de um parque (nem mesmo sua mãe sabe como adquiriu esta capacidade), desperta um incrível talento criativo para o jogo. Chamando a atenção de seu pai (Joe Mantegna), Josh passa a jogar e estudar xadrez todo o tempo. Incentivado por sua família, recebe aulas de um velho e falido mestre do xadrez (Ben Kingsley), e passa a disputar torneios, conquistando títulos a cada etapa. É a partir deste momento que o menino percebe a influência do jogo na sua relação com o pai. Nas regras do xadrez, pai e filho buscam suas próprias estratégias para superarem seus sonhos e fracassos, a fim de manterem uma relação sincera e verdadeira. Max Pomeranc dá a Josh um carisma admirável, numa excelente atuação, transfere naturalmente para a tela a inocência e altruísmo de uma criança de boa índole, refletindo assim seu ambiente familiar saudável, e ainda compromete-se com a expressividade do trabalho cênico nas cenas dos jogos e outras de maior dramaticidade. Joe Mantegna convence no papel de pai, e jamais adquire um caráter repressor ou autoritário quando é duro com o filho. Percebemos uma família equilibrada, o papel da mãe (Joan Allen) é necessário e relevante nos principais momentos de conflito, e o pai sempre presente, mesmo quando se deixa levar pelo talento do filho. O xadrez é mais que um pano de fundo na narrativa de Lances Inocentes. O jogo é orgânico na trama, trás motivos contundentes para a reflexão dos conflitos psicológicos e morais do enredo. É através das suas ligações com o jogo que conhecemos duas personagens fundamentais para o aprendizado de Josh: o professor interpretado por Ben Kingley e o amigo do parque (Laurence fishburne). Ambos, tratando o xadrez como arte, mas divergindo em suas concepções, acabam por contribuir para a formação de Josh, tornando-a desprovida de preconceitos e intolerâncias. Lances Inocentes, como já mencionei, fala dos conflitos e descobertas de um garoto que se vê impulsionado para uma realidade de vitórias e fracassos não condizente com sua ingenuidade infantil. À vista disso, têm-se um trabalho absolutamente competente do diretor, aliada à trilha sonora belíssima de James Horner (Titanic), Steven Zaillian(A Grande Ilusão) dá às cenas de seu filme um caráter leve e comovente, em harmonia com os aspectos visuais sempre envolventes e pertinentes ao enredo, mérito da fotografia aliada à direção de arte, que juntas compõem momentos de extremo apresso artístico (a cena que mostra homens jogando xadrez no parque em meio a uma forte chuva, e outra, na qual testemunhamos uma discussão entre pai e filho também sob um forte temporal refletem o quanto pode ser opressora e fria a realidade do mundo e da vida longe de casa). As primeiras cenas do contato de Josh com o xadrez, sensivelmente constituídas pelo enquadramento do diretor, demonstram o aspecto lúdico da visão de uma criança e seu interesse conferindo a cada objetivo um valor emotivo muito forte, como podemos perceber no momento em que Josh enfileira as peças de seu LEGO, transformando-as em peças de xadrez, e quando troca uma bola de beisebol por outra peça do jogo. Este respeito à realidade inocente da criança permeia toda a projeção, dando aos momentos tensos da trama um ar de brincadeira séria, não carregando demais a intensidade dramática a fim de oprimir os aspectos lúdicos do garoto (é brilhante a cena final, ao vermos Josh olhando o tabuleiro vazio, poucos adultos conseguiriam ver além do que está a sua frente). Enfim, mais a frente tratarei, na categoria Possíveis leituras, dos aspectos lúdicos infantis abordados neste filme. No mais, fica aí uma indicação imperdível. Bons filmes.

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