Olhares em números

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O cenário pós-apocalíptico em "Eu sou a lenda"


Como já comentei no post anterior sobre o filme, produções deste subgênero do terror, conhecidas popularmente como “filmes de zumbis”, sempre oferecem respaldo para discussões sobre atitudes políticas negligentes, contaminação e destruição ambiental causada pela evolução da ciência e industrialização, e conceitos sociais de ética e moral quando a questão é matar ou salvar um ser humano infectado, além do envolvimento emotivo do homem ao presenciar seus entes queridos serem consumidos pela dor e morte causadas pelo contágio. Ter que matar o próximo pode levar a um sentimento terrível de solidão. Na trajetória de Robert Neville (Will Smith), concentram-se todas essas motivações, inserindo a personagem em um cenário apocalíptico, onde o ser humano está sob o julgamento de suas faltas, conseqüências de seus próprios atos. Desde o início da trama, percebemos os significados que mitificam a personagem, transformando-a em um homem que traz dentro de si a salvação. Em um contexto em que o Ser Humano, contaminado pelo seus vícios, busca a redenção, Neville sabe que pode levar esperança para os sobreviventes, mas que isso lhe custará a vida. Já no início de Eu Sou a Lenda, deparamo-nos com uma realidade instaurada que choca, à primeira vista, o Homem do século XXI: com seu carro e arma como instrumentos de caça, o coronel Robert Neville aparece perseguindo um antílope, inserido no centro de uma metrópole devastada pelo abandono. Tal concepção pressupõe um desacerto na ordem natural da evolução humana. Certamente, nesta primeira cena do filme, já se faz claro a vulnerabilidade física e emocional do homem que ainda não fora corrompido pelo vírus. No contexto da produção, o vírus é fruto de uma necessidade humana, a busca da cura para seus males, tanto pela ciência quanto pelo misticismo. Ao assistirmos à doutora krippin responder com um afirmativo “sim”, mesmo titubeante, à apresentadora de um programa de auditório, quanto esta pergunta se ela acreditava que tinha encontrado a cura para o câncer, podemos entender que a necessidade humana muitas vezes está contaminada por sua arrogância e egoísmo. O resultado é uma pandemia viral responsável pela dizimação de quase toda a população do planeta. No entanto, abstraindo estes aspectos factuais do enredo, podemos conceber os infectados como reflexos da população humana real do século XXI. Nós somos seres contaminados. Contaminados pela raiva, cobiça, ódio, inveja, somos corruptíveis e egoístas, destruidores vorazes dos seres naturais, e, o que mais nos assola, somos os únicos seres do planeta que destroem a própria espécie descomedidamente. A partir desta constatação, Neville passa a situar-se como símbolo messiânico de redenção. É através dele que os infectados conseguirão a cura. É através deste homem que a humanidade conseguirá sua salvação. No entanto, como todo mensageiro que leva esperanças de paz, Robert não é ouvido pelos seres da noite, e obrigado, por sua condição imaculada, ao isolamento, resigna-se à busca solitária por humanos, livres da contaminação, que possam ouvir sua mensagem de esperança. Tomando o Novo Testamento da Bíblia Sagrada, vejo a personagem de Will Smith como um outro Cristo, que é impelido à dor e ao sofrimento para purificar toda a humanidade. Relembrando a cena no Monte das Oliveiras, Neville sofre com a perda e com a solidão, e, ao presenciar a morte de sua única fonte viva de esperança, arremessa-se no abismo do ódio e do remorso, enfrentando uma quantidade letal de infectados em um duelo noturno. Até onde vai o limite da sanidade quando o homem se vê só? E deste momento retiramos uma outra intrigante questão: Será que, para sua salvação, o Ser Humano não necessita superar sua própria culpa? Com o aparecimento da personagem Ana e do menino Ethan, somos conduzidos ao desfecho dramático da trama, no qual testemunhamos o sacrifício do Tenente-Coronel Robert Neville para que a cura, recentemente descoberta, seja levada aos que dela necessitem. É interessante salientar um novo paralelo com a morte do Cristo na cruz. Assim como Ele, Neville se entrega aos seres corrompidos, mesmo destruindo seu corpo com uma granada, seu fardo é morrer sob os infectados, para que outros seres de bem possam sobreviver. A presença de Ana e Ethan alude aos últimos minutos de Cristo, quando Este fala a sua mãe e seu apóstolo João. Como já mencionei no início deste artigo, filmes como Eu Sou a Lenda possuem este caráter apocalíptico, implícito no enredo, que nos traz à tona um questionamento sempre recorrente em todas as épocas da história da humanidade: Poderá o Ser Humano, contaminado por seus vícios, encontrar virtudes capazes de levá-lo à salvação? Esta é uma leitura possível do filme da qual eu mesmo tenho algumas ressalvas, mas isto já uma outra conversa. Comentem! E bons filmes.

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